Marcos
Fava Neves*
Em
relação à macroeconomia, não posso deixar de destacar as manifestações que
tomaram conta do Brasil nos últimos dias. E pensar que há 30 dias tudo estava a
mil maravilhas para o governo federal, com popularidade alta e reeleição
garantida. De repente, tudo vira de cabeça pra baixo. Mudanças virão desta que
foi a maior manifestação de descontentamento popular desde o movimento pelas
eleições diretas em 1984. A decisão do FED nos EUA, de ligeiro aumento na taxa
de juros, pode ajudar a valorizar o dólar. O impacto disto é um novo patamar do
real, que pode agora ficar entre 2,15 e 2,30. De um lado é bom para o
exportador, mas impacta a inflação no mercado interno. Há de se lembrar também
que, face aos preços fixados da gasolina no mercado interno, o real mais desvalorizado
complica a vida da Petrobras na importação de combustíveis. De janeiro a maio
de 2013 a Petrobras importou US$ 18,42 bilhões em combustíveis, contra US$
14,26 bilhões em 2012, no mesmo período. Pesa a favor da Petrobras o aumento da
mistura de anidro para 25%, o que reduz em cerca de 30% as importações diárias
de cerca de 70 mil barris de gasolina. A situação seria muito pior com a
mistura de 20%. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO) estima em 6,5% o crescimento mundial da produção de grãos no ciclo 13/14
em relação ao ciclo anterior. Serão gerados 2,46 bilhões de toneladas, contra
2,40 bilhões de toneladas estimadas para o consumo, que crescerá 3% no ciclo.
Os estoques devem fechar em 580 milhões de toneladas, com recuperação de 11%.
Saber que o consumo pode crescer 3% ao ano significa um espaço para expansão de
quase 80 milhões de toneladas/ano, ou, simplesmente, toda a safra de soja
brasileira... Interessante saber também que apenas cerca de 306 milhões de
toneladas são comercializadas, o que dá menos de 15% do total. Em maio último,
o desempenho das exportações do agronegócio sofreu um pequeno escorregão em
relação ao ano passado. As exportações do agro (US$ 10,18 bilhões), se
comparadas com o mesmo período de 2012 (US$ 10,26 bi), diminuíram 0,9%. O saldo
na balança do agro em abril é de US$ 8,85 bi, um valor 0,8% inferior a maio de
2012. O valor exportado acumulado no ano (US$ 40,4 bilhões), por sua vez,
aumentou (10,1%) quando comparado com o mesmo período de 2012 (US$ 36,7
bilhões), contribuindo para um saldo positivo acumulado no ano de US$ 33,4
bilhões (12,1% maior que o mesmo período em 2012). Dentro das contas do agro, o
setor sucroenergético está com exportações de US$ 5,08 bilhões até o final de
maio, quase 35% a mais do que em igual período do ano passado. - Sobre a cana,
segundo a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), até 1º de junho tinham
sido processadas 116 milhões de toneladas no Centro-Sul, o que é número bem
superior às 70 milhões de toneladas do ano anterior. Cerca de 42% foi destinado
a açúcar, uma grande diferença em relação ao ciclo anterior (48%). O ATR está
em 121,45 kg/tonelada, 5,8% acima do ano passado. Mas foi bom ver que na última
quinzena de maio o ATR foi 12% superior ao mesmo período do ano passado (132
kg/t). Ou seja, uma cana melhor neste ano. O preço é que está muito baixo,
principalmente pelo fator negativo do açúcar. Mesmo com este preço baixo, o
valor bruto da produção de cana (tonelada x preço) deve alcançar R$ 47,8
bilhões na safra atual, contra R$ 43,5 bilhões no ciclo anterior. Um
crescimento de quase 10%. Em relação aos recentes movimentos e investimentos de
empresas, a Biosev declarou que deve aumentar o processamento em 12%,
alcançando um total de 33 milhões de toneladas na safra 13/14, com isto devendo
atingir 87% da capacidade de moagem instalada. Também confirmou os
investimentos para expandir em 6 milhões a capacidade instalada hoje. A Olam
(trading asiática de commodities) deu declarações de que a entrada no mercado
de cana brasileiro é essencial para sua expansão internacional. Outra trading
que ressaltou seu compromisso com a cana mas diz estar em compasso de espera é
a Bunge. A Bunge deve processar nesta safra 20 milhões de toneladas, 17% a mais
que no ciclo anterior. Sobre o etanol, o consumo de etanol, ainda que tardiamente,
por conta da demora de repasse de preços nos postos, vem reagindo. Em maio
foram vendidos pelas usinas 2,08 bilhões de litros, um crescimento de 26% em
relação ao mesmo mês de 2012. O consumo de anidro (770 milhões) já é quase 40%
superior ao do mês anterior, reflexo da também tardia, mas salutar, volta da
mistura para 25%. O hidratado, que poderia estar mais forte, vendeu 1,06 bilhão
de litros e cresceu quase 8% em relação ao mesmo mês do ano anterior, fruto,
mais uma vez, da demora na redução dos preços nos postos. Devemos lembrar que a
frota atual pode consumir até 2 bilhões de litros por mês. Cálculos feitos por
Plinio Nastari indicam que um consumo de 300 milhões de litros de hidratado a
mais por mês ajuda a tirar 5,75 milhões de toneladas de açúcar do mercado
mundial, contribuindo para influenciar nos preços. Desde 2008, com a redução e
eliminação da Cide na gasolina, o governo deixou de arrecadar R$ 22 bilhões que
seriam investidos no transporte, principalmente. Está aí a consequência desta
política que ajudou a prejudicar o etanol. Outro número interessante,
frequentemente negligenciado por nós: quase 70% de todas as motos emplacadas no
país são flex-fuel. Ou seja, podem contribuir com o consumo de etanol quando
economicamente favorável. Finalmente, sobre o açúcar, a FAO estima a produção
mundial de açúcar no ciclo 12/13 em 180 milhões de toneladas, 2,8% acima do
produzido no ciclo anterior. Apesar do consumo crescer 2%, o superávit será de
6,5 milhões de toneladas, o que ajudará a recuperar estoques e mantém os preços
comprimidos. A Archer Consulting estima que 61% das vendas de açúcar na safra
13/14 estão fixadas a preços de 18,70 cents/libra-peso. São 15,8 milhões de
toneladas, do total de 26 milhões que devem ser exportadas. Começam a vir boas
notícias de que a seca interferiu na produção indiana, em importantes regiões,
o que pode obrigar aquele país a voltar a recorrer às importações no ciclo
13/14, sendo uma possível boa notícia para os preços. Enfim, na variável
consumo de etanol, que está sob o controle do Brasil, poderia haver uma
recuperação ainda neste ano, tal o volume de cana que pode ser consumido para
etanol. Pena que nosso governo não entende isso. Aliás, não está entendendo
muita coisa do que está acontecendo no Brasil. Quando entender, já pode ser
tarde demais.
* artigo
publicado no Portal Nova Cana
MARCOS FAVA NEVES
é professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus Ribeirão
Preto e coordenador científico do Markestrat. Em 2013 é professor visitante
internacional da Purdue University (Indiana, EUA).
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