QUEBRA CABEÇA CHINÊS
A propósito da guerra comercial Estados Unidos
X China, que já dura 18 meses e recentemente ganhou uma ainda nebulosa trégua,
é interessante relacionar alguns fatos que compõem o tabuleiro de xadrez por
traz dos rituais políticos e da retórica diplomática reverberada na mídia. Um
dos objetivos dos Estados Unidos com o embate era reduzir seu déficit comercial
descomunal com os chineses. Outro alvo era estimular grandes corporações
norte-americanas instaladas na China a retornar para os EUA. Mas o déficit
continuou crescendo e atingiu o recorde de 419 bilhões de dólares, em 2018.
Quanto às empresas, parecem não ter a mesma ideia do governo norte-americano.
Pesquisa do US-China Business Council (agosto) indica que 87% das empresas com
fábricas no gigante chinês não pretendem transferir suas unidades e 97% informa
que suas operações na China são lucrativas. Mais um detalhe: entre as que
mostraram intenção de mudança, só 3% pensam em levar sua produção de volta para
os EUA. Na verdade, o mercado chinês é uma espécie de sonho de consumo
para as grandes corporações norte-americanas (e não só para elas, aliás) e isto
porque a classe média chinesa cresceu de modo acelerado, hoje estima-se que já
represente 400 milhões de pessoas e continua aumentando. A GM, por exemplo,
vende mais carros lá do que nos Estados Unidos. A KFC, famosa no mundo pelo seu
frango frito, tem 5.000 lojas lá, 15% mais do que em território
norte-americano. E a internacional Starbucks Coffee cresceu 18% no mercado
chinês o ano passado, mesmo com a China pressionada pela guerra comercial.
Soma-se a isso, outro fato: muitas companhias utilizam a China como plataforma
de exportação, por suas características de estrutura e escala. Um exemplo é a
Apple, a segunda marca mais valiosa do mundo (Brand Finance 2019), que tem na
China o seu segundo maior mercado e de lá consegue exportar seus aparelhos para
todo o mundo, a preços competitivos. Situações como essas foram
comentadas com propriedade em recente artigo da pesquisadora Claudia Trevisan,
da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins,
nos EUA (OESP, 15/10/2019). E, com fatos assim, fica difícil pensar em desfecho
sob a lógica dos super-heróis, para essa tensão comercial entre as duas maiores
economias do mundo. O reequilíbrio das relações EUA-China é tarefa bem
mais complexa, pois a globalização mudou a lógica da economia mundial. Por
outro lado, se uma trégua negociada não revisar as tarifas impostas, o mundo já
terá mudado bastante. Antes do conflito, a tarifa média dos EUA sobre produtos
chineses era de 3% e chegou a 21%. Um terremoto, considerando-se exportações
chinesas de US$ 540 bilhões (2018) para os EUA. Tudo isso traz alguma
ordem de impactos para o Brasil. Pode estimular nossas vendas de soja e carnes
para o mercado chinês, como já ocorreu. Caso se consolide uma trégua e a China
retorne às compras de produtos norte-americanos, isso pode então afetar a mesma
soja, levando-nos a buscar outros mercados para a commodity. Por ora são
hipóteses. Mas no complexo cenário chinês também há oportunidade para
outros produtos do agro brasileiro, que podem ser turbinados pela afluente
classe média chinesa, hoje rumando para meio bilhão de pessoas. Isso mesmo:
quase o equivalente a dois “brasis” inteiros de classe média, para a qual
podemos tentar vender um leque maior de alimentos de maior valor agregado.
Mas aí a geopolítica é outra, a diplomacia comercial é outra, o marketing é
outro e a comunicação também. Um bom augúrio é a visita já próxima da Ministra
da Agricultura, Teresa Cristina, ao gigante chinês, pois ela tem mostrado que
sabe dar tratos à bola nesse campo, com propriedade e talento diplomático.
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