Iguaria
traz opção para complementar renda dos produtores - Considerado uma iguaria
gastronômica, o caviar, obtido das ovas do peixe esturjão, tem elevado valor
agregado e desperta interesse do consumidor. Em função da sobrepesca, o
esturjão corre risco de extinção, o que pode resultar na diminuição da oferta
de caviar e elevação do preço do produto final. Pesquisas em todo o mundo
buscam espécies alternativas de peixes para substituir as ovas de caviar. Uma
delas é a utilização de ovas de trutas, resultando no produto “sucedâneo de
caviar de truta arco-íris”. O trabalho científico é inédito no País e foi
realizado pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da
Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio do
Instituto de Pesca (IP-APTA), e a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de
Campos do Jordão. A UPD da APTA é a
única instituição de pesquisa brasileira que estuda a truta. O produto tipo
caviar de truta é composto de 6% a 8% de lipídios totais, proteína bruta de 24%
a 27%, e teor calórico de cerca de 180 calorias a cada 100 gramas de ovas. De
acordo com a pesquisadora do IP-APTA, Neuza Sumico Takahashi, as ovas de truta
possuem perfil de ácidos graxos bastante homogêneos, como os ácidos graxos
saturados, ao redor de 21%, monoinsaturados, de 34%, poli-insaturados (PUFA) da
família ômega 6, de 15%, e polinsaturados da família ômega 3, de 22%. “Os
ácidos graxos mais importantes do ponto de vista funcionais são os altamente
insaturados como o EPA (ácido eicosapentaenóico) com cerca de 6% e o DHA (ácido
docosahexaenóico), com aproximadamente 12%. É importante considerar que esses
valores podem sofrer pequenas alterações, dependendo da idade, do tamanho da
truta, a época do ano em que as ovas foram coletadas e, principalmente, a
composição da ração que foi administrada no período”, afirma Takahashi. Outro
atrativo do caviar de truta é o preço para o consumidor. Enquanto 100g do
caviar importado é encontrado no mercado por valores que variam de R$ 480,00 a
R$ 1.500,00, a embalagem de 40g do caviar de truta pode chegar a R$ 20,00. O
sucedâneo de caviar de truta e o caviar são diferentes em sabor e odor. “O
caviar tem ovas pequenas, com sabor intenso, salgadinho e com odor marinho. O
sucedâneo de caviar de truta tem ovas maiores e sabor e odor delicados”, afirma
Thaís Moron Machado, pesquisadora do IP-APTA. O sucedâneo de caviar de truta
pode ser produzido com ovas de coloração amarela, chamada golden, ou com ovas
salmonadas. A pesquisa sobre a preferência do consumidor apontou a cor como a
que desperta mais atenção. Essa característica foi considerada o primeiro
parâmetro de qualidade avaliada pelos consumidores e utilizada como ferramenta
de aceitação ou rejeição do produto. “O atributo sabor recebeu as menores
notas, provavelmente devido à falta de hábito no consumo deste produto pelos
julgadores”, explica Machado. A pesquisadora realizou estudo de potencial de
mercado junto a restaurantes da cidade de Campos do Jordão. Todos os
estabelecimentos demonstraram interesse em utilizar o produto. “Alguns já têm
utilizado o sucedâneo de caviar de truta produzidos por alguns produtores de
forma artesanal. Pretendemos disponibilizar a tecnologia até o final deste
ano”, afirma Machado. A principal utilização nos restaurantes é na decoração de
alguns pratos e também para a produção de sushi e temakis. A pesquisa pretende
também identificar o interesse de estabelecimentos localizados no eixo Rio-São
Paulo. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, o caviar e sucedâneos importados no Brasil são consumidos basicamente
em São Paulo e no Rio de Janeiro. Dados do Ministério de 2001 indicam que foram
importados 457 quilos de caviar e sucedâneos pelo Brasil, já em 2010, o número
saltou para 6.931 quilos, ou seja, um incremento de 758%. Até abril de 2011,
foram importados 864 kg de caviar e sucedâneos, sendo 166 kg por São Paulo e
698 kg pelo Rio de Janeiro. “Com a expansão de restaurantes e fast-foods
japoneses, o panorama provável é de grande mercado passível de ser explorado
além dos limites de municípios que integram as estâncias balneárias serranas do
Brasil, locais onde são produzidas as trutas”, explica Machado. Lucro garantido
para os produtores de truta - A maioria das criações de truta no Brasil
caracteriza-se como empreendimentos agrícolas do tipo familiar, pois os recursos
hídricos favoráveis para a criação de truta são pouco volumosos, resultando em
unidades com baixa escala de produção. Segundo Yara Aiko Tabata, pesquisadora
da APTA, a sustentabilidade econômica nessa atividade depende da utilização de
tecnologias que proporcionem aumento da produtividade e diversificação de
produtos de valor agregado. É o caso do caviar de trutas, que pode gerar uma
complementação da renda desses produtores. Machado realizou um estudo de
viabilidade econômica da atividade e constatou que ela é rentável para aqueles
que já têm estrutura de processamento de pescado. O investimento, neste caso, é
recuperado em menos de um ano. A pesquisadora simulou duas situações para o
empreendimento. Em uma delas com a estrutura de processamento de pescado
previamente existente, e outra para a construção de uma estrutura de
processamento específica para a produção do sucedâneo de caviar de truta. O
investimento necessário para a produção na primeira situação foi de R$
42.487,50 reais. Na segunda, R$ 400.606,14. “O baixo investimento na primeira
simulação pode ser considerado atrativo para empresários estabelecidos que
queiram diversificar seus produtos”, afirma a pesquisadora. São poucos, porém,
os criadores que possuem estrutura de processamento de truta normatizado pelo
Serviço de Inspeção Municipal, Estadual ou Nacional, pois as instalações e
equipamentos requerem alto investimento. “Uma alternativa seria a união dos
produtores para a construção de uma estrutura de processamento comum, ou então,
comercializar as ovas para produtores que já possuem essa estrutura em
operação”, explica Machado. A maturação sexual das trutas acontece em dois anos
e é possível fazer a desova anualmente. Para cada quilo do peso da fêmea,
obtém-se cerca de dois mil ovos. A pesquisa teve suporte financeiro do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Truta é rica em
nutrientes e em ômega 3 - A truta é uma das espécies da família Salmonidae –
assim como o salmão – e é natural dos rios da costa pacífica da América do
Norte. As trutas cultivadas na APTA de
Campos do Jordão, com peso médio de 800 gramas, apresentaram filé com 1%
a 2% de lipídios totais, proteína bruta de 18% a 22%, e teor calórico ao redor
de 125 calorias para 100g de filé. A composição dos ácidos graxos deste lipídio
foi de 25% de ácidos graxos saturados, 41% de monoinsaturados, 26% de PUFAs da
família ômega 6 e 7% de PUFAs da família ômega 3. Destes, o EPA somado com o
DHA representam 6% da composição. O ser humano, assim como os demais mamíferos,
é capaz de sintetizar certos ácidos graxos saturados e insaturados, porém essa
capacidade é limitada quando se trata de ácidos graxos polinsaturados (PUFAs),
sem eles o organismo não funciona adequadamente. Por essa razão, estes ácidos
graxos são chamados de “essenciais” e devem ser incluídos na dieta alimentar.
“Os ácidos graxos essenciais para a alimentação humana são o ácido linolêico
(ômega 6) e o ácido linolênico (ômega 3). A importância destes ácidos graxos
está na sua capacidade de se transformar em substâncias biologicamente mais
ativas, com funções especiais no equilíbrio homeostático e em componente
estrutural das membranas celulares e do tecido cerebral e nervoso”, explica
Takahashi. Segundo a pesquisadora do Instituto de Pesca, na atualidade, uma das
grandes preocupações em saúde pública é a elevada mortalidade causada por
doenças cardiovasculares. A origem dessas doenças remonta a uma combinação de
diversos fatores de risco, que podem ser modificados pela ação de ácidos graxos
essenciais. “Pesquisas mostram a redução significativa da mortalidade por
doenças coronarianas, confirmando a atividade cardioprotetora do EPA e DHA.
Portanto, é bastante recomendável, numa orientação dietética, prescrever a
ingestão de uma ou duas porções de peixe por semana”, explica. Tabata explica
que assim como o salmão, a truta necessita do ômega 3 e de outros nutrientes
para sobreviver e se reproduzir. Os peixes não sintetizam esses nutrientes, que
são conseguidos por meio da alimentação. “Não tem aquele ditado que diz que
somos aquilo que comemos? O mesmo acontece com os peixes. No caso do salmão e
truta cultivados, eles precisam receber esses nutrientes pela ração, que
precisa ser de boa qualidade”, afirma a pesquisadora. O fato de serem criados
em cativeiro não faz as trutas e os salmões terem menos ômega 3 do que os
capturados em ambientes naturais. “No mar, esses peixes vão conseguir os
nutrientes por meio daquilo que comem também, então isso depende muito da
qualidade da ração que você ministra ao peixe criado em cativeiro e a
disponibilidade de alimento que o peixe em ambiente natural vai ter”, explica
Tabata. Os peixes cultivados em cativeiro são alimentados com ração à base de
farinha e óleo de peixe, que contém o ômega 3. O salmão e a truta, em seus
ambientes naturais, se alimentam de peixes menores, moluscos e crustáceos, de
onde extraem os nutrientes essenciais. A quantidade do ômega 3 e dos outros ácidos graxos na carne
do peixe vai depender também do período em que foi abatido. “A fêmea durante o
ciclo reprodutivo, por exemplo, tem como prioridade a qualidade do ovo, em detrimento
da musculatura. Para garantir a sobrevivência da prole, os ovos devem conter
todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento do embrião. Esse animal vai ter menos ácidos graxos em
sua musculatura do que outro mais jovem”, explica a pesquisadora da APTA.
Tabata afirma também que, por esse motivo, as ovas de truta têm mais ômega 3 do
que a carne. APTA é a única instituição de pesquisa do País a realizar
pesquisas com truta - A Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento da APTA de Campos
do Jordão é a única instituição de pesquisa brasileira que realiza trabalhos
com truta. O peixe foi introduzido no Brasil há 64 anos para promover o
peixamento dos rios localizados nas regiões serranas e, através da pesca,
oferecer uma alternativa de alimento de boa qualidade às populações
ribeirinhas. De lá pra cá, a produção envolvendo o peixe se expandiu, graças,
principalmente, aos trabalhos realizados pela APTA. Dentre as pesquisas pioneiras da instituição, está a feminização
indireta dos peixes. O processo de obtenção dos chamados lotes 100% fêmeas é conduzido em duas etapas. Na primeira é
feita a masculinização das fêmeas e, na segunda, o sêmen obtido dessas fêmeas
masculinizadas é empregado na
fertilização de ovos de fêmeas normais. “Com esse método, as fêmeas de truta
viram machos funcionais e só produzem espermatozóides que vão gerar fêmeas”,
explica Tabata. Apesar de parecer estranha, a técnica é eficaz. A truta
produzida no Brasil é, em sua maioria, comercializada com 300gramas, peso
atingido em um ano. “O problema é que pelo menos 30% dos machos atingem a
maturidade sexual antes de terem esse peso. Ao se tornarem aptos para a
reprodução, esses machos precoces apresentam uma redução no crescimento e uma
piora na conversão alimentar e na qualidade da carne, daí a preferência dos
criadores por fêmeas”, afirma a pesquisadora da APTA. A Agência Paulista de
Tecnologia dos Agronegócios foi também
responsável por uma tecnologia que promoveu melhora no processo de salmonização
da truta, com a utilização de ingredientes mais adequados para a inclusão do
pigmento astaxantina na ração. A carne da truta é branca e a do salmão também.
O tom róseo é adquirido, em ambiente natural, por meio da alimentação. No caso
dos peixes criados em cativeiro, é possível chegar à tonalidade desejada com
adição de astaxantina na ração. “A cor é apenas uma estratégia de mercado. É
possível dobrar o preço de venda, apenas com o uso de pigmentos na ração a um custo 30% maior de
produção”, afirma Tabata. A unidade produz cerca de dois milhões de ovos
embrionados de trutas anualmente. A APTA atende cerca de 10% da demanda. As
ovas são destinadas aos criadores de todo o País, principalmente os localizados
na região da Serra da Mantiqueira, em São Paulo, no Rio de Janeiro e Minas
Gerais, locais adequados para a produção do peixe. Os criadores podem adquirir
ovos 100% fêmeas, triploides ou os filhotes. Os triploides são indicados para a
produção de trutas de grande porte, pois, sendo estéreis não se reproduzem e
apresentam um melhor desempenho no crescimento. Cerca de 90% das vendas são de
ovos embrionados 100% fêmeas, 5% triploides e 5% são de filhotes. A desova é
feita no período de inverno e para aquisição das ovas os produtores precisam reservar.
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